Qual é a cor do seu café? Pensou na bebida preta impedindo de enxergar o fundo da xícara? Então, estou aqui para explicar mais sobre torra e torrefação de café, e ajudar a derrubar alguns mitos sobre esse líquido milenar, como ele se tornou uma das bebidas mais populares do mundo e como surgiu o processo de torra.
O café foi descoberto na Etiópia, em 575 d.C. O responsável por essa alegria foi um pastor de cabras chamado Kaldi. Ele levou os animais para passear na montanha, mas adormeceu. Quando ele acordou, percebeu que as cabras estavam mais animadas que o habitual e foi buscar o motivo.
Foi assim que o pastor encontrou, no meio da floresta, os frutos que eram o protótipo do nosso café de hoje. Isso porque, nesse início, Kaldi decidiu mascar as frutas, a fim de conquistar a mesma animação das cabras, o que não deu certo.
O princípio da torra de café
Contudo, ele não desistiu: levou os grãos à aldeia e os entregou ao sacerdote. O padre pensou em cozinhar as frutas, mas o gosto ficou tão amargo que ele jogou os ramos instantaneamente no fogo, e o perfume subiu. Dessa forma, surgiram os primeiros torradores de café.
Obviamente, esse modelo de torrefação de café artesanal evoluiu. Porém, ainda nos dias de hoje, é possível encontrar pessoas que torram café como nossos antepassados faziam. Inclusive, em muitos lugares do Brasil, a torra é realizada no fogão à lenha por meio de um equipamento específico.
Basicamente, é uma bola de metal que leva os grãos de café ao fogo. Assim, eles têm contato com as altas temperaturas e, consequentemente, são torrados. O processo é ligado à memória afetiva e contribui para a história do café.
Café é realmente preto?
Agora que você sabe sobre a construção histórica da torrefação de café, vamos falar da cor dele. Se o tom do café torrado é marrom, por que você viveu (quase) a vida toda pensando que café era preto? EXCESSO DE TORRA!
A torrefação e moagem do café interferem diretamente no resultado da bebida. Por isso, o café especial não é torrado excessivamente. Sabe o que isso significa? O café especial não é CARBONIZADO para esconder defeitos, mas sim torrado de forma perfeita a fim de potencializar os atributos dele.
Na Coffee ++, Joaquim Neto é o mestre de torra, com 36 anos de experiência. Ele também é Q-Grader, produtor de café e o responsável pelo perfil dos nossos cafés acima de 84 pontos. “Na Coffee ++ é definido um perfil para cada café potencializando os atributos e nuances dos grãos.”, ele diz.
De acordo com Joaquim, o responsável pela máquina para torrefação de café, a torra média realça atributos sensoriais. Já na torra escura, o excesso esconde esses atributos. O resultado é um café com muito açúcar ou adoçante para amenizar o amargor
A torra nos cafés especiais
A torra clara não provoca a reação maillard, que é a caramelização dos grãos. Só para ilustrar os tipos de torrefação de café, pense em um bife na panela. A torra escura seria um bife torrado, enquanto a torra clara se assemelha ao bife totalmente cru, e a torra média é como um bife ao ponto.
Porém, com o café, cada dia é uma novidade. Em busca de entender mais de todas as complexidades da torra de café, conversei com o Joaquim. Em resumo, esse profissional transforma as substâncias que ficam nos grãos (como açúcares, notas sensoriais e outros) em uma bebida agradável e saborosa.
No mercado, existem empresas de torrefação de café que atuam em todas as escalas. Ainda assim, exaltar as potências de cada grão exige capricho e dedicação.
Como chegar à torra ideal?
Segundo Joaquim, a torra perfeita é um “santo graal”, ou seja, uma grande utopia. Contudo, o trabalho do mestre de torrefação busca o melhor possível de cada café. Nas etapas da torra existe desidratação, em que a água é retirada do grão.
Em seguida, durante a segunda fase, há as reações químicas com a liberação de moléculas de sabores. Já na terceira fase o grão fica poroso e ocorre a expansão do grão. Mas isso só acontece com muita prova. “Fico bebendo café durante uns quatro dias para chegar na torra ideal de cada café”, explica.
Essa prova de café que Joaquim contou mostra na boca as experiências sensoriais de cada café. Mas para a prova, o café é torrado em um dia e se espera no mínimo oito horas. Assim, os grãos perdem gás carbônico, pois o café precisa esfriar para a melhor percepção de sabores. Imagina o cheirinho do café em cápsula.
O café especial não tem singularidades. Por isso, o mestre de torrefação de café fica o tempo todo checando a torra, que mostra no aroma inicial o resultado. Caso algo não saia como o esperado, ele para tudo e muda a curva de torra (a temperatura de entrada e de saída, assim como o tempo) dos grãos.
Os grãos e as experiências sensoriais
Segundo ele, a escolha é feita torrando, provando, mudando tempo, energia, ventilação, provando de novo. “É assim até chegar em uma bebida agradável, em que consigamos realçar os atributos intrínsecos do grão”, explica.
Joaquim conta que o processo inicia na escolha do lote de café. “O cupping tradicional [prova de café] para detectar as nuances e atributos. Depois, com testes de perfis e degustações, chegamos a um ideal. Em seguida, é só fazer a replicagem”, ensina.
Quando eu pergunto sobre a torra adequada, Joaquim é categórico na resposta: “A torra correta ainda é um mito. Tentamos fazer o melhor possível, mas sempre temos o que melhorar, com muito estudo e dedicação. Até porque são horas diante de livros para utilizar o que aprendeu no torrador, isso é maravilhoso.”