O café é minha melhor memória afetiva. Desde menino, eu cresci escutando boas histórias, em que os grãos brasileiros eram os protagonistas. Lembro-me do meu avô, Aprígio Tavares, com a calculadora em mãos. Afinal, ele vivia em busca de informações sobre exportação de café.
Entendi sobre exportação de café muito cedo e os números luminosos na tela se tornaram um fascínio . Meu pai, o grande Ricardo Tavares, é um dos principais operadores de trade no mercado. Então, saber um pouco daquele mundo era um jeito de ficar mais perto dele. E ao mesmo tempo, se tornou mais uma linha de costura do café como protagonista da minha história, rsrsrs…
A exportação de café ao longo da história
Esse jeito moderno de vender café para os gringos começou há poucas décadas. No entanto, o sistema de exportação de café é antigo. E, de acordo com dados históricos, não estou exagerando. O café descoberto nas montanhas etíopes. Mas disseminado pelo mundo pelos navegantes europeus.
No oriente, o café chegou pelas mãos de sacerdotes. Só para ilustrar, eles “apanharam” algumas frutas no Iêmen. Afinal, a ideia era plantar perto de casa. Inclusive, o Iêmen, no Oriente Médio, é um ponto do contexto histórico da exportação de café.
Os “primeiros exportadores de café”
Apesar de não ser o país de origem do café, o Iêmen foi o portal de entrada para o mundo. Até porque, o respaldo vem com aproximadamente 1.200 anos de produção do café.
Além disso, o porto de Mokka (no Iêmen) tem fundamentação histórica. Isso porque, o local foi ponto de comercialização do grão, ou seja, exportação de café. Sendo que, grande parte do café consumido na Europa era originário do Iêmen.
O trajeto do café até o continente europeu era grande. O café partia de navio até o Norte. Mas quando chegava ao porto era carregado por camelos, até Alexandria, no Egito. Enquanto, os mercadores europeus transportavam, em navios, o café para a Europa.
O início da exportação de café no Brasil
No Brasil, o café chegou pelo Pará. Esse foi o portal de entrada brasileiro para os ramos de café em 1721. E para o mundo conhecer a grandeza do Brasil no setor não levou muito tempo. Sendo que a primeira exportação de café ocorreu em 1732, direto da região Norte do Brasil.
Mas, nessa época, o interesse pelo café ficava restrito aos lados do Ceará e Bahia. Contudo, quando o cultivo se iniciou no Rio de Janeiro, em 1760, o cenário mudou. O plantio dos grãos passou a ocupar o solo de muitos estados brasileiros.
O processo de exportação de café e construção econômica do Brasil
O café foi uma presença marcante no contexto econômico brasileiro. Acha que estou exagerando? Mas o passado mostra o quanto os grãos de café foram condutores históricos no Brasil. Em conversa com o professor de História, Pedro Lúcio, eu confirmei um “causo”, que sempre escutei do meu avô: a atividade cafeeira pode ser considerada a primeira atividade profissional não-colonial do Brasil.
Logo após o processo de abolição da escravatura no Brasil, o processo nas lavouras passou por um forte desenvolvimento. Assim, caminhou rumo à estruturação social e vida urbana de uma nova nação. Hoje somos um dos principais produtores de café do mundo, além de responsáveis por 30% da produção do planeta. Isso mostra o quanto somos gigantes no setor.
O manejo do café os grandes fazendeiros
O manejo inicial com o café chegou sem muito planejamento. Os latifundiários desmatavam terras e iniciaram o plantio das mudas. Mas o café não cresce de um dia para outro, né? Então, os agricultores tinham que esperar aproximadamente cinco anos até o pé de café começar a produzir. A solução de reaproveitamento de tempo foi plantar outras culturas nesse intervalo de tempo, principalmente direcionadas à alimentação.
Nessa época, a manutenção da lavoura era feita por escravos que “catavam” os frutos manualmente, depois de maduros. Em seguida, os grãos eram levados para secagem em terreiros. Já o beneficiamento do café era realizado em uma máquina de pilões que funcionavam pela força da água – algo parecido com moinhos.
Depois disso, as sacas de café eram colocadas no lombo das mulas. Então, viajavam até o porto do Rio de Janeiro e de lá ganhavam o mundo.
O auge da economia cafeeira nos séculos 19 e 20
Durante os séculos 19 e 20, o café foi o principal responsável pela sustentação do Império do Brasil e da República. Além disso, elemento fundamental da diversidade cultural da nação. Já que, em 1848, imigrantes ingleses chegaram às terras brasileiras com o propósito de cuidar de trabalhar com café.
Nesse processo, fazendeiros ofereciam “como pagamento” metade do valor produzido aos imigrantes. Em troca, os gringos cultivavam e cuidavam das terras. Entretanto, os custos das instalações e da viagem ficavam por conta dos imigrantes, que pagavam os valores aos donos das terras. Com o passar do tempo, muita gente não se manteve com a parceria e abandonou terras.
O café e as novas relações trabalhistas no Brasil
Em busca de mudar esse cenário, em 1870, o governo da província de São Paulo passou a custear a viagem desses imigrantes. Logo após a decisão, recebeu apoio do Império para trazer europeus para o Brasil.
Dessa forma, com as novas relações de trabalho, a mão-de-obra livre ajudou a alavancar a produtividade do café brasileiro. Até porque, os imigrantes europeus tinham contato com a terra e técnica de cultivo. Mas essa transição de modelo de trabalho trouxe necessidade de fluxo financeiro.
O “Barões do café” no Brasil
O início do plantio nas lavouras brasileiras veio por meio dos próprios fazendeiros e comerciantes. Essas pessoas haviam juntado bastante dinheiro, desde que a Família Real chegou ao Brasil.
Esses fazendeiros eram conhecidos como “Baroēs do café”, nos anos 1836 e 1837. Sendo que em 1845, o Brasil era responsável por 45% da demanda de exportação de café no mundo. O plantio nas lavouras era muito rentável. Portanto, o café tomou o lugar de exportação do açúcar – até então o produto mais exportado do Império.
A exportação de café e as intermediações dos grãos
Outra função de destaque era os comissários do café. Essa pessoa tinha a função de intermediar ações entre os latifundiários e os exportadores. Assim também como o controle e equilíbrio dos preços, além de acesso à crédito.
Com o passar do tempo, a diversidade de idiomas invadiu o Brasil: italianos, portugueses, espanhóis, russos, austríacos, romenos, poloneses, alemães e japoneses. Entre 1850 e 1889, o total de imigrantes chegava a quase 900 mil pessoas – sendo que a maioria se instalava nas fazendas paulistas.
O sistema de modernização das lavouras brasileiras
Mas com a demanda cada vez maior e o fim da mão-de-obra escrava, os fazendeiros precisavam de uma solução, a fim de modernizar a atividade. Assim, surgiu o Sistema Financeiro Nacional implantado pela Família Real Portuguesa, em 1808. A reestruturação necessitava de um processo que fomentasse o sistema produtivo, bem como a infraestrutura brasileira.
E foi exatamente isso que o império português decidiu fazer. Os recursos vieram de bancos estrangeiros e trouxeram modernidade. Tanto que foi desse jeito que ferrovias, portos modernizados, estradas e locais para o beneficiamento do café foram idealizados.
Infraestrutura brasileira e exportação de café para o mundo
O café foi fundamental também para o contexto político brasileiro. Tanto que a política do Café-com-Leite foi um revezamento de poder à frente da presidência entre São Paulo e Minas. Já que, na época, os estados eram os principais produtores do Brasil. Inclusive, esse papo vale um texto, que em breve vou escrever para você. Prometo não esquecer!
A importância do café na história do Brasil
No início do século 19, esse processo de profissionalização ganhou força com a criação do Convênio de Taubaté (cidade paulista onde o tratado foi assinado). A proposta visava solucionar a alta produção de café, que iniciou em 1906. Assim, os estados criaram uma mesma regra para a defesa dos preços.
Dessa forma, não seria permitido oscilações de preços. Depois da sucessão do então presidente da república, Rodrigues Alves, o café ganhou espaço na pauta federal. Já que o mineiro Afonso Pena era defensor dos grãos brasileiros e estava no posto mais alto da nação.
A política do “Café-com-leite” e a influência do café
O Convênio de Taubaté interferiu positivamente no mercado de café. Sendo que o destaque, segundo pesquisadores, fica com a criação do Instituto do Café de São Paulo. O órgão surgiu para regulamentar o escoamento das safras – ou seja, o café que sobrava nas fazendas e não era vendido.
Dessa forma, as “sobras” da exportação e do consumo interno podiam ser comercializadas a preços competitivos. Sendo um dos motivos da “sobra das safras” foi a corrida pelos altos preços praticados com a venda do café ao exterior. O resultado foi o plantio excessivo de café e acúmulo de estoque.
Nessa época, no fim do século 19, grande parte da exportação brasileira era do café. Mas isso só foi possível devido ao consumo dos mercados dos Estados Unidos e Europa. O número era tão relevante que representava aproximadamente 80% da balança comercial do país.
O mercado cafeeiro e a quebra da bolsa de Nova Iorque
Com tudo que havia ocorrido em Nova Iorque, os reflexos foram imediatos. A “Grande Depressão”, como ficou conhecida a quebra da Bolsa de Nova Iorque, trouxe pavor. E fez com o que os títulos das empresas caíssem e chegassem a 1 ⁄ 3 do valor comercializado. No Brasil, o presidente Washington Luiz estava em campanha pela reeleição e viu o caos chegar ao país.
Um mundo encantado, né? Mas aprendi, desde muito cedo, que “dinheiro não aceita desaforos”. Então, a ilusão de “dinheiro fácil” que motivou muita gente, também representou uma ruptura no sistema bancário.
A crise do café no Brasil
Os produtores de café conheceram o resultado da desorganização. A turma achava que o sistema bancário era a “casa da mãe Joana”. Já que a ideia de emissão de dinheiro sem coordenação refletiu em alta da inflação, déficits orçamentários, inflação e, consequentemente, em crise financeira.
O reflexo da falta de dinheiro trouxe abandono das lavouras de subsistência. Além disso, a importação de outros alimentos cresceu bastante nessa época. Já que muitos agricultores visando o lucro do café deixaram outras plantações de lado.
Oferta X Demanda: a crise descontrolada do café brasileiro
A expansão descontrolada ainda gerou uma oferta muito maior do que a demanda. Ou seja, produzia-se muito café, mas não tinha para quem vender todo o estoque. Todo esse processo necessitou de uma política econômica bem articulada. Dessa forma, nasceu uma nova relação financeira com o exterior.
O preço do café desmoronou e o mercado sentiu. Em busca de equilibrar a oferta e a procura no mercado, o Instituto do Café de São Paulo, mais uma vez, comprou o excedente e estocou.
A queda dos preços na exportação de café
Os reflexos chegaram com o valor do café em 22,54 centavos de dólar por libra-peso em setembro de 1929 para 14 centavos no início de 1930. Junto a isso veio a safra volumosa, indecisão e depressão econômica.
No mercado interno a queda foi de 40%, o que provocou redução do salário de mão-de-obra. Getúlio Vargas era candidato oposicionista, mas perdeu as eleições para Washington Luís, que foi deposto pelo governo Militar.
A influência de Getúlio Vargas na história do café brasileiro
Nesse contexto, Vargas assumiu e soube usar a crise cafeeira a seu favor. Tanto que em maio de 1931, ele criou o Conselho Nacional do Café e puxou a responsabilidade para o governo. Entre as ações, Getúlio cancelou 50% das dívidas dos cafeicultores.
Além disso, teve como foco a compra das “sobras”. Dessa forma, cerca de 100 milhões de sacas foram retiradas do mercado. Para contextualizar a necessidade de interferência federal, antes da crise, a saca de café batia 215 mil réis. Enquanto, em 1931, o preço médio não passava de 25 mil réis.
O fim da exportação de café e a fogueira em Santos
Mas o que fazer com todo o café estocado? Getúlio Vargas mostrou protagonismo e entrou, definitivamente, para a história do café com a queima de aproximadamente 18 toneladas de grãos. Ele ordenou que uma fogueira fosse feita na Baixada Santista e o café foi queimado, até o fim do ano. Assim, ele forçou o aumento dos preços dos grãos, já que a oferta não era excessiva. Esse marco simbólico ficou conhecido no mundo.
Quando foi em fevereiro de 1933, o Conselho Nacional do Café chegou ao fim. No lugar, foi criado o Departamento Nacional de Café, em que os poderes dos estados produtores eram eliminados.
O estoque de café verde no Brasil
Apesar de todo o esforço de Vargas, muito café verde (sem torrar) ficou no poder do governo por décadas seguintes. Aliás, eu tenho uma história que passa por esse café guardado. Em 1989, meu pai e o meu avô tinham pegado as operações da Fábrica da 3 Corações, como a única saída de salvar o patrimônio da família.
Inclusive, tenho várias lembranças de almoços em casa em que o assunto era o mercado de café. Certo dia, cheguei correndo pelos corredores da fábrica, que fica em Santa Luzia (Região Metropolitana de BH). Lembro-me como se fosse hoje, daquele dia. Era uma tarde de segunda-feira, do ano de 1994. Entrei abrindo as portas da sala do meu pai e ele estava atento com os ouvidos no telefone.
Carinhosamente, pediu silêncio com as mãos e no olhar me convidou para sentar. Aquele dia, ele estava participando de um leilão nacional do café estocado pelo governo. Ele comprou um tanto daquele café, que foi torrado e vendido para o mercado interno. O preço estava bom e ele saiu feliz com a xícara de café nas mãos para contar a novidade para o meu avô.
Eu não entendi nada do que tinha acontecido. Mas o sorriso do meu pai me mostrou que o negócio tinha sido bom e valia um brinde lá na copa da fábrica. No mês que vem eu trago mais um pouco da prosa que mais gosto de falar. Até lá e enquanto isso, aproveite nossos conteúdos do blog. Saúde!